quinta-feira, setembro 08, 2005

The Last Broadcast

Doves, The Last Broadcast
Doves
The Last Broadcast
Capitol, 2002

Muito bem, está na hora de pararmos de ouvir “OK Computer” e esquecer as tentativas menos conseguidas de bandas como os Elbow, Starsailor ou Travis. O trio de rapazes que vos apresento cresciam em Manchester no auge da club scene dos anos 80 e isso nota-se na sua música. Formaram uma banda de música electrónica no início dos anos 90 – os Sub Sub – mas a providência divina fez arder o seu estúdio em 1995 quando os manos Jez e Andy Williams celebravam o seu aniversário. Deixaram os ritmos techno, substituíram os computadores por instrumentos rock & roll e tornaram-se nos Doves.
No álbum de estreia “Lost Souls” (2000), aclamado pela crítica, notava-se que havia algo mais do que o som característico das bandas que brotaram da seara Radiohead. Ao ambiente sombrio e brumoso que pairava sobre a brit-pop do início do século, juntavam-se também ecos de uma paixão e exultação nem sempre moderada. É que os Doves até podem ser deprimidos, mas nunca são depressivos.
Em “The Last Broadcast” nota-se que o som dos Dove cresceu na direcção correcta: o disco continua cheio de detalhes sonoros bem pensados, aqui sempre ao serviço da melodia. Exemplo disto é a terceira faixa do disco “There Goes the Fear”. Começa com uma linha calma no baixo, sininhos, música de embalar, uns suaves toques na guitarra. Goodwin canta “Out of here, Out of heartache, Along with fear”. Quando menos se espera, sem o necessário aviso, a calma é interrompida por uma magnifica passagem de guitarra de reflexos frenéticos, tocada como um banjo (ao estilo inconfundível de The Edge) e onde os vários elementos da banda lutam para ser o primeiro: um baixo cheio na forma, acompanhado por um frenesim contido na bateria, o tal brilhante som na guitarra e a voz sempre no comando de Goodwin. Após uma nova dose da acalmia que inicia o disco, voltam a presentearmos com o seu truque, desta vez ampliando a composição com uma mistura fina de guitarra, bateria e sintetizador, levando a canção a transformar-se num canto tribal de proporções estrelares. Sete minutos de puro deleite, com algum merengue à mistura, a lembrar o melhor dos U2.
No disco, ainda há tempo para recordar “Moonchild” – dos gigantes do Prog/Art-Rock Kim Crimson – em “M62 Song” com o seu ambiente tenebroso e a voz lo-fi; reviver o universo dos Jesus & Mary Chain no feedback voluptuoso de “N.Y.”; ou o misticismo dos coros gospel dos Spiritualize em “Sattelites”.
Mas não se deixem enganar pelo amparo de tanta referência. Os Doves têm um som muito próprio e exploram uma paleta alargada de emoções. Conseguem tanto ser fantasmagóricos, como radiosos, acinésicos ou mesmo rocky, o que transforma “The Last Broadcast” numa fabulosa colecção de euforia, desolação e exasperada energia.
Um álbum grande, inteligente, livre de ironia que precisa de uma mente aberta para o escutar. As recompensas são enviadas em correio-azul directamente ao coração.