Belle e Sebastião
Belle & Sebastian
If You're Feeling Sinister/The Boy With the Arab Strap
Matador, 1997/1998
Isto de ser pai – ou de estar nos trinta, pois ainda não descobri qual dos dois – muda muito a nossa maneira de sentir as coisas. E quem diz sentir, diz ouvir. Ser pai não é só mudar fraldas, atirar o puto ao ar e dar colinho contra a vontade dos avós. Ser pai é redescobrir a beleza numa série de coisas onde antes só se distinguia a forma.
Aqui há uns anos, o meu bom amigo t., na sua incessante tarefa de me educar musicalmente (fora do reino da “minha” música clássica), era constantemente caçoado por andar a ouvir uma banda que fazia música para miúdos. Ainda por cima, cantada por um gajo com voz melosa de puto mimado. Uma autêntica criancice.
Hoje, tenho de dar a mão à palmatória (ouch!), os Belle & Sebastian fazem parte da irmandade das minhas bandas favoritas.
O nome da banda, todos os da minha geração recordarão, foi surripiada à série francesa de desenhos animados sobre um miúdo e seu cão que nos fazia colar ao sofá nas tardinhas da década de 80. E a delicada inocência desta amizade está bem presente na música deste octeto de Glasgow.
Liderados pelo guitarrista/cantor Stuart Murdoch, os B&S oferecem um som de uma intimidade majestosa, que tem tanto da Pop dos anos 60, como do Indie e da Folk dos anos 90. São criadores de melodias cheias de corpo, óptimas para cantar no carro a caminho do emprego, perfeitas para contemplar ao fim do dia com um copo de Porto na mão. E depois há as letras…
Desta vez decidi fazer um two in one e apresentar dois álbuns chave do percurso musical dos B&S: “If You’re Feeling Sinister” de 1997 e “The Boy With the Arab Strap” de 1998.
Os álbuns têm características diferentes: o primeiro, revela uma escrita mais coesa, com canções a habitar um espaço comum e mais pessoal, enquanto o segundo apresenta um espectro alargado de sonoridades, onde há lugar a novas descobertas e a um contacto mais próximo com todos os elementos da banda. Em comum, as letras aguçadas e inteligentes de Murdoch, sempre polvilhadas de um senso de humor radioso… e às vezes cínico. “Nobody writes them like they used to, so it may as well be me” canta Murdoch em “Get Me Away From Here, I’m Dying”. Presente nos dois discos estão ainda o acústico das guitarras e a sumptuosidade das cordas, tocadas aqui e ali com acordes de trompa a construir um simples mas perfeito cortejo musical.
A iniciar o meu best of das faixas destes álbuns está “Me and the Major” com o seu cavalgante ritmo de harmónica e harmonias perfeitas na voz quebradiça de Murdoch. Segue-se “Like Dylan in the Movies”, no que poderia ser uma mistura fina entre Lou Reed e Lloyd Cole. A faixa que dá título ao álbum de 1997 é uma das minhas favoritas da banda. “She was into S&M and bible studies. Not everyone's cup of tea she would admit to me”. A letra mostra tudo o que Murdoch é capaz de fazer e a música resume em pouco mais de cinco minutos toda a delicada essência dos B&S. Deste álbum gostava ainda que ouvissem “Mayfly” com uma pop de alegria contagiante, guitarra à anos 60 e um brilhante solo de sax a dar corpo a uma canção cheia de espírito.
O primeiro tema de “The Boy with the Arab Strap” apresenta-nos uma história de argumento forte, cantado de forma tímida, a lembrar o período tardio de Simon & Garfunkel. Segue-se “Sleep the Clock Around” com os seus ondulantes sintetizadores e sons metálicos de gaitas de foles a alargar a paleta sonora da banda. Há ainda tempo para uma sofisticação melódica digna de Burt Bacharach em “Ease Your Feet in the Sea” e “A Summer Wasting” antes de chegar ao épico “Seymour Stein”, bem ao jeito do melhor John Lennon. E por aí fora, que as canções deste álbum mais parecem uma colecção dos melhores cromos da folk-pop.
E tudo isto são os Belle & Sebastian, excelentes na criação de uma pop perfeita, pura e pastoral, senhores de uma refinada sensibilidade lírica.
E agora tenho de ir. O pequeno João aceitou a desmedida tarefa de salvar o mundo e teima que eu lhe dê a mão.
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