Recording a Tape the Colour of the Light
Bell Orchestre
Recording a Tape the Colour of the Light
Rough Trade, 2005
Maio de 1994. O crítico inglês Simon Reynolds regista o termo “post-rock” no catálogo dos estilos musicais. Escreve então na revista “Wire”: post-rock é um tipo de música “using rock instrumentation for non-rock purposes, using guitars as facilitators of timbres and textures rather than riffs and power chords”. Sendo a forma de rock experimental dominante na década de 90, o post-rock recebe influência de vários e diferentes estilos: kraut, ambient e prog-rock, space e math-rock, clássica minimalista, jazz, dub, só para nomear alguns dos mais importantes. A unir toda esta diversidade, a instrumentação habitual do rock é aqui misturada, quase sempre, com elementos aglutinadores de electrónica. Como em todos os estilos musicais, o termo aplica-se a um largo espectro de bandas, nem sempre portadoras de grandes semelhanças entre si. Tortoise, Mogwai e Stereolab até podem ter pouco em comum, mas há certamente uma característica convergente, o facto da sua música ser predominantemente instrumental.
Posto este ponto de cultura prévia, já devem ter adivinhado, o meu disco de hoje pode ser encontrado na prateleira junto aos dos Sigur Rós, GYBE! e Bark Psychosis. O facto de o post-rock ser um dos meus estilos favoritos – ao lado do Chamber Pop – pode ser esquecido por agora…
“Recording a Tape the Colour of the Light” é o disco de estreia dos Bell Orchestre, um sexteto de Montréal do qual fazem parte Richard Parry e Sarah Neufeld dos Arcade Fire. A áurea da cidade canadiana, mítica para os amantes do post-rock (e não só…), constitui desde já motivo de sobra para deixar cair as mãos neste disco.
A música dos Bell Orchestre tem tanto de cinemático, como de improviso. Se por um lado existem temas onde o espaço é constituído por paisagens sonoras de uma voluptuosidade ténue e sombria, exibem-se outros que parecem ter nascido de uma mistura cacofónica de instrumentos realizada de forma pura e crua no sótão lá de casa. E a colecção de instrumentos surpreende: à parte da habitual micro-orquestra de cordas e dos instrumentos chaves do rock há a matricular uma série de trompas subaquáticas, um par de máquinas de escrever, alguns sinos, assobios e uns poucos xilofones. E há ainda electrónica a modular e a incutir carácter a tudo isto.
O tema recorrente “Recording a Tunnel” – aparece três vezes durante o disco – constitui um magnífico ponto de partida para esta aventura. Uma melodia simples, de três notas, tocada pela trompa e gravada, claro está, dentro de um túnel. Segue-se “Les Lumieres Pt. 1” construída de novo sobre um tema simples, desta vez no saxofone. À medida que o tema evolui cada novo instrumento introduz mais um pouco de sabor ao cozinhado, procurando o equilíbrio perfeito entre doce e amargo. Por volta dos cinco minutos, o improviso começa aos poucos a tomar conta da casa preparando-nos para o que a exuberância que aí vem. “Les Lumieres Pt. 2” transforma as margens calmas do tema predecessor e mergulha directamente no universo rock, não obstante a instrumentação particular que se vai ouvindo. Várias camadas nas trompas, cordas de uma energia frenética e uma batida rápida e cheia de carga. A transição para o tema seguinte dá-se com auxílio a sinos e sirenes. Ao frenesim das cordas junta-se a distorção dos sopros, enquanto o cavalo continua o seu furioso galope em direcção à vasta planície e à acalmia do lago lá mais à frente. Serenidade que chega enfim nos acordes wagnerianos das trompas e no ritmo ferroviário das cordas. Esta sequência de temas encerra um capítulo no disco e traz-nos à memória os vizinhos Godspeed You Black Emperor!, embora num registo mais alegre. Enquanto os GYBE! percorrem paisagens de uma devastação quase desértica, onde os cinzentos do chão se confundem com os do horizonte, os Bell Orchestre cavalgam através de quadros de uma beleza rústica, impressionista.
Na segunda parte do álbum, iniciada com uma nova versão de “Recording a Tunnel”, os temas tendem a soltar-se do espírito rock e aproximam-se de um registo mais clássico, cinemático, onde sons e estruturas surgem de uma forma mais experimental. A percussão marcial de “Nuevo” é exemplo feliz de uma outra perspectiva sonora.
Este disco não foi feito para impressionar. Pelo contrário, penso que pretende conquistar-nos pela sua ténue simplicidade. Talvez por isso os seus temas tenham uma característica forte: concisão. Poucos são os temas que vão além dos quatro minutos, algo nada usual numa banda post-rock. Mas talvez seja essa a chave que faz deste disco constante presença no meu creative zen. É que a repetida audição deste trabalho, em vez de cansar, permite descobertas e renovadas emoções.