segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Yoshimi Battles The Pink Robots

The Flaming Lips, Yoshimi Battles The Pink Robots
The Flaming Lips
Yoshimi Battles The Pink Robots
Warner Bros., 2002

Há discos que são verdadeiras experiências espirituais.
Sendo um devoto confesso da música sinfónica (e da clássica em geral), há muito que me habituei a preparar uma audição com o cuidado que uma cerimónia religiosa merece. No campo da Pop, exaltação a este nível raramente acontece e, por essa razão, qualquer manifestação do profundo deve ser encarada com exultação redobrada. É o caso deste disco dos Flaming Lips.
Quando é que este trio de Oklahoma deixou de ser uma banda psicadélica para abraçar a gloriosa missão de tornar o mundo melhor através da glorificação das coisas mágicas e da verdade absoluta é a minha próxima tarefa. Estou certo que ouvir o registo anterior a este (“The Soft Bulletin”, 1999) vai ajudar a desvendar algumas pistas.
Esta sinfonia Pop, escrita com os olhos colados a um filme animé e o coração perdido algures em Marte, está cheio de emoção artificial, de uma determinação psicológica desmedida com vista a garantir que o bem nunca irá prevalecer sobre o mal.
O disco começa por nos convocar a todos para um “Fight Test”. É hora de vestirmos o nosso melhor facto de combate e preparar a alma para derrotar o exército infinito de andróides que se aproxima. A canção é simples, a lembrar os bons velhos tempos de Cat Stevens. “Cause I'm a man not a boy and there are things you can't avoid you have to face them when you're not prepared to face them”. O ambiente orquestral é invadido pelo burburinho da população que deposita em nós a sua fé, por sons de uma electrónica de ficção científica que percorre todo o disco. Estranho ou não, este ambiente torna as canções mais humanas, a história mais intimista.
Segue-se “One More Robot/Sympathy 3000-21”, onde, num ambiente de uma melancolia nebulosa, se narra a biografia do robot três mil e vinte um que “learns to be something more than a machine”. A linha simples do baixo marca o ritmo inocente que paira sobre um ambiente electrónico de texturas variadas, vozes ressonantes que se escoam no fim para uma peça do mais puro onirismo.
O acústico da guitarra dá entrada à canção mais directa do álbum. “Yoshimi Battles the Pink Robots, Pt. 1” é uma experiência verdadeiramente cinematográfica. Tudo é despejado em frente dos nossos olhos numa dimensão de ecrã gigante. Consegue visualizar-se o robot vermelho, enorme, de olhar diabólico. A pequena Yoshimi (para mim é uma pequenina, não sei porquê…), desarmada, assume a posição de defesa e sou capaz de pressentir no seu olhar o medo e a determinação de quem precisa de vencer. “Oh Yoshimi/They don't believe me/But you won't let those/Robots defeat me” canta Wayne Coyne com a simplicidade de quem é cúmplice. De uma beleza confrangedora.
O tema que se segue é uma verdadeira epopeia ao binómio amor/ódio e, acima de tudo, à redenção: “And why does it matter - is to love just a waste”. Carregado de uma profunda energia instrumental, o tema desenvolve-se sob uma base marcadamente FM. O ambiente vocal criado por Coyne consegue transportar-nos para um espaço que medeia entre este mundo e um outro bem para lá do imaginário. Este culto do limbo está também presente na tristura de “All You Have is Now”.
Depois do idílio psicadélico que é “It’s Summertime”, eleva-se a super-produção de “Do You Realize?”. Magníficos coros de anjos para recordar os Spiritualized, tempestades de arranjos orquestrais, pinceladas escritas com o agitar dos sinos. Tudo isto misturado com umas tantas verdades universais - “Do you realize that happiness makes you cry/that everyone you know someday will die” – e uma perfeição vocal digna de nota.
O disco passa por nós em pouco mais de quarenta e cinco minutos, mas esta brevidade deixa marcas sobretudo pela carga dramática que lhe está inerente, fazendo desta obra um verdadeiro ensaio sobre a concisão. O disco representa uma síntese perfeita entre as características fundamentais da Pop e aquilo que se consegue fazer hoje em dia com a produção em estúdio (algo que não é alheio a Dave Fridmann dos Mercury Rev, também produtor do anterior “The Soft Bulletin”, dos Mogwai, Delgados ou Sparklehorse). Decididamente envolvente, este álbum mostra que a utilização da electrónica não serve apenas para criar ambientes de uma frieza racional. A provar que também as máquinas têm um sistema nervoso central a gerar calor. E a alimentar a fé de acreditar num mundo melhor.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Thunder, Lightning, Strike

The Go! Team, Thunder, Lightning, Strike
The Go! Team
Thunder, Lightning, Strike
Memphis Industries, 2004

OK malta, lembram-se da Rua Sésamo, do MacGyver e dos Soldados da Fortuna? Excelente. Agora fixem-se na música. Misturem-lhe uma pitada de funk dos anos 70, um pouco do hip-hop dos oitenta, meia Pepsi, dois cabelos do Charlie Brown e um cheirinho de Sonic Youth. O que é que dá? Isso mesmo, o álbum de estreia de um sexteto de Brighton apelidado The Go! Team.
Estes rapazes são uma curte e a sua música é puro contentamento. Impossível de catalogar, a música que brota deste colectivo tem elementos de tantos estilos que torna a tarefa de a arrumar num só género inaceitável. Talvez daqui a uns anos a malta comece a dizer que a música de uma qualquer nova banda é do estilo Go! Teamiano... Até lá, e à semelhança de muitas das entradas neste meu blog, este álbum vai direitinho para a prateleira dos discos que me fazem ficar bem disposto. Muito bem disposto.
A faixa de abertura do CD – “Panther Dash” – põe os motores em funcionamento com um arranque rápido e cintilante. O som da harmónica comanda o tema enquanto, em segundo plano, o ritmo da bateria dá o suporte necessário ao surf da guitarra. Aqui e ali, ouve-se uma voz com um contar “one/two/three/four”. Há ruído, coros de cheerleader, trompetes em surdina e uma sirene. Brilhante.
O tema que se segue sintetiza tudo o que o grupo consegue fazer bem. Desde as vozes à la Supremes (todas personificadas pela rapper MC Ninja) ao fabuloso riff da bateria, passando por uma letra incompreensível de efeito exótico e uns toques de electrónica a lembrar a pop dos anos 70 “Ladyflash” apresenta-nos Bollywood no seu melhor! Há quem diga que é a melhor canção de 2004. Exagero, certamente…
“Feelgood By Numbers” faz-nos certamente sentir bem, durante o pequeno par de minutos piano funk que o tema dura. Inexplicavelmente moderno e retro ao mesmo tempo.
Após o retorno das cheerleader em “The Power is On”, chega um dos meus temas favoritos do álbum. “Get It Together” lembra-me o pequenino Michael a tocar flauta no meio dos seus quatro irmãos Jackson. Pure sunshine!
Até chegar à última faixa do álbum – a minha preferida – há música para séries de acção, filmes de Hitchcock, piqueniques de verão e encontros hip-hop. Mas é em “Everybody's a VIP to Someone” que chega o inesperado momento de doçura e saudade. Mesmo à final de western americano. Banjo, harmónica, orquestra de cordas e uma melodia composta para ser ouvida todos os dias ao pequeno-almoço. No meio disto tudo, depois de ouvir os instrumentos de sopro adornarem ainda mais o ramalhete, salta a cereja em cima do bolo: riffs de bateria a fazerem transbordar o copo. Sem palavras.
Decididamente cool e incrivelmente engenhoso, “Thunder, Lightning, Strike” é aquele disco pelo qual estamos sempre à espera, repleto de energia e atitude. Cinemático, fantástico, cheio de pontos de exclamação. É muito bom estar vivo!