sexta-feira, janeiro 27, 2006

Alles Gute zum Geburtstag!

Wolfgang Amadeus Mozart
Franz Joseph Haydn (1732-1809) disse em tempos a Leopold Mozart que o seu filho era "o maior compositor que ele conhecia, quer de entre os vivos, quer de entre os mortos". Eu podia dizê-lo também... Depois de uma infância musicalmente prodigiosa e de uma ruptura nada cerimoniosa com o Arcebispo de Salzburgo, Mozart foi o primeiro músico na história a embarcar numa carreira de free-lancer. Contudo, como todos os primeiros, encontrou bastantes dificuldades para carregar consigo os sonhos numa cidade repleta de burguesia como o era a Viena do séc. XVIII. Ironia do destino, quando começava a ter algum sucesso a nível financeiro, a doença que o havia de carregar para a vala comum do Cemitério de St. Marx decidiu dar um ar da sua desgraça, deitando por terra uma vida curta e uma carreira inexprimível.

Mozart é provavelmente o único compositor a ter composto inquestionáveis obras-primas em virtualmente quase todos os géneros musicais do seu tempo (período clássico). A sua música "leve", serenatas e danças escritas para a nobreza, são sinónimo da Clássica "época do iluminismo", tendo como exemplo mais que perfeito a Serenata Eine kleine Nachtmusik, K525. Os seus vinte e tantos concertos para piano perduram como modelos representativos da forma do concerto clássico, com um primeiro movimento na forma sonata, um terno e melodioso segundo movimento e, usualmente, terminando com um vigoroso movimento final na forma rondó, como no Concerto para Piano no. 22 em Mi-sostenido, K.482: III. Ouvi dizer por aí que ouvir os Concertos para Piano de Mozart é a sensação mais próxima de se caminhar no Paraíso. As suas Sinfonias seguem o modelo do seu querido amigo Haydn, embora nas últimas três, Mozart tenha inspirado essa forma com uma tal paixão e expressividade que só mais tarde seria revivida e consciencializada num evento chamado Beethoven. Oiça-se o primeiro andamento da Sinfonia no. 40 em Sol menor, K550.

Mas é nas óperas que está a verdadeira alma de Mozart. O que faz de um artista um génio é a capacidade de transformar o comum, o mundano, numa manifestação da mais eterna beleza. E no mundo do drama musical ninguém o faz melhor que Mozart. Nas suas óperas há mexerico, há ingenuidade, há patrões apaixonados por criadas, juras de amor eterno quebradas assim que o amado parte para a guerra. Mozart expõe o universo das emoções com uma alegria e um dinamismo dramático tão profundo que consegue transformar a aura divinal da sua música na mais pura manifestação do que é ser humano.

Das óperas de Mozart, As Bodas de Figaro é a mais antiga que se pode encontrar no repertório de quase todos os teatros de ópera do mundo. Don Giovanni, considerada por muitos a sua obra-prima, foi a primeira a ser levada à cena na Staatsoper de Viena, a 25 de Maio de 1869. Através do seu génio dramático e musical, Mozart transformou comédias convencionais e desventuradas personagens em musicadas palavras repletas de vida, dramas que respiram a sede de estar povoadas de seres humanos reais. A intensidade da sua música na cena final do Don Giovanni, quando a estátua do Commendatore ressuscita dos mortos, pode muito bem levar-nos a pensar ter sido criada no período Romântico que se lhe seguiu, com a ruína do herói às mãos do espírito que se vinga. Alguns críticos atrevem-se mesmo a dizer que esta é a cena mais famosa de todo o repertório operático. Havendo escalado o pico da ópera italiana, Mozart marca também o singspiel alemão (género de peça onde só as emoções fortes são cantadas). No final da sua vida, compõe outra obra-prima, uma estranha combinação de comédia e ideais supremos. A Flauta Mágica conta a história de um príncipe que se submete a uma série de provas na busca do conhecimento interior, enquanto o homem simples na pele de Papageno, na sua canção "Der Vogelfänger bin ich, ja", anseia apenas por vinho, comida e uma companheira. E não é por isso que todos nós cantamos?

A influência que Mozart exerceu sobre outros compositores que se lhe seguiram não é muito importante, ou melhor, não deve ser muito enfatizada. Foi idolatrado pelos compositores do final do séc. XIX, tais como, Wagner e Tchaikovsky; a sua música influenciou compositores neo-classicos como Stravinsky ou Prokofiev nos primórdios do séc. XX. Nos nossos tempos, grandes mestres como Michael Nyman e Philip Glass têm ligações a Mozart: Nyman usou diversas peças de Mozart nas suas criações (como os primeiros acordes da "Aria do Catalogo" de Don Giovanni na sua peça "In Re Don Giovanni") e Glass compôs uma cadenza para o Concerto para Piano no. 21, K467.

É esta engenhosa criatura que comemora hoje 250 anos. Para além de aumentar o número de vendas das editoras de música clássica, livreiros e afins, esta efeméride serve principalmente para avisar os mais desatentos que Mozart merece ser escutado todos os dias, a toda a hora. E não precisa de ser no toque do telemóvel (nem é conveniente que o seja). Para os que não podem ouvi-lo na sala de concerto, deixo aqui as minhas sugestões, retiradas da minha própria colecção.

Eu por mim, vou tentar hoje comprar o meu Requiem número 100. Vocês, ide procurar nas prateleiras das discotecas um dos discos que se seguem. Garanto-vos que não se vão arrepender.

Para os cheios de alegria
  • Aberturas: La Clemenza di Tito; Cosí fan Tutte; Don Giovanni; Die Entführung aus dem Serail; Idomeneo; Le Nozze di Figaro; Den Schauspieldirektor; Die Zauberflöte; Serenata No. 13 em Sol maior (Eine kleine Nachtmusik), K525
    Tafelmusik, Weil - Sony CD 46695
  • Die Entführung aus dem Serail, K384 (O Rapto do Serralho)
    Gruberova/Filarmónica de Viena/Solti – Decca 417 402-2

    Para os mais espirituais
  • Missa em Dó menor, K427
    Cotrubas/New Philharmonica Orchestra/Leppard - EMI CDC 7-47385-2
  • Sinfonia Concertante para Violino e Viola em Mi bemol maior, K. 364
    Itzhak Perlman (violino), Pinchas Zukerman (viola), Zubin Mehta/Israel Philharmonic Orchestra - Deutsche Grammophon 415486-2

    Para os racionais
  • Quartetos para Cordas: No. 17 em Si bemol maior, K458 "A Caça"; No. 19 em Dó maior, K465 "Dissonante"
    Musikverein Quartet - Decca 433 694-2
  • Sinfonias Nos. 40 & 25
    Royal Concertgebouw/Harnoncourt - Teldec 0630-18586-2

    Para os românticos incuráveis
  • Concerto para Clarinete em Lá maior, K622
    Marcellus (cl), Cleveland Orchestra, Szell - Sony Classical SBK 62424
  • Quinteto com Clarinete em Lá maior, K581; Quarteto com Oboé em Fá maior, K370; Quinteto com Trompa em Mi bemol maior, K407
    ASMF Chamber Ensemble - Philips 422 510-2

    Para os melómanos
  • Don Giovanni, K. 537
    Eberhard Wachter (baritone), Joan Sutherland (soprano), Elisabeth Schwarzkopf (soprano), Graziella Sciutti (soprano), Carlo Maria Giulini/Philharmonia Orchestra & Chorus - EMI CDS7472602
  • Concertos para Trompa, Quinteto para Piano & Sopros, K. 452
    Dennis Brain (horn), Herbert von Karajan/Philharmonia Orchestra - EMI Angel 66950

    Para os choram no cinema
  • Concertos para Piano No. 20 em Ré menor, K466; No. 23 em Lá maior, K488
    Tan (fpno), London Classical Players, Norrington - EMI CDC7 54366-2
  • Requiem em Ré menor, K.626
    Concentus Musicus Wien/Harnoncourt - Deutsche Harmonia Mundi 82876 58705 2

  • segunda-feira, janeiro 09, 2006

    Auvidi | Dezembro v2

    Spoon (2001) Girls Can Tell
    Se gostam dos Strokes mas preferem um som mais rock & roll, então este disco é perfeito para vocês. Bateria e guitarra misturadas como nos bons velhos tempos... e uma voz clássica de rock. 6/10
    The Shins (2003) Chutes Too Narrow
    James Mercer escreve canções cheias de contradição, onde há tristeza e alegria ao mesmo tempo. O disco vive em torno da escrita e da voz de Mercer fazendo com que o disco perca a capa Indie de quando em vez e assuma uma postura mais Bob Dylan. As músicas são muito boas, faltando apenas um niquinho para o considerar merecedor de uma entrada no blog. 8/10
    LCD Soundsystem (2005) LCD Soundsystem
    House Pop. Se é o vosso estilo, ide correr comprar este disco. Imaginem Bowie, Cure e Depeche Mode, misturados em estilo Dub com Beatles e Pink Floyd. Tudo um bocado desfocado, mas com um ritmo contagiante. James Murphy is the man! 6/10.
    Interpol (2004) Antics
    Não tem a intensidade e o brilho de "Turn on the Bright Lights" mas é um bom segundo disco (algo difícil de conseguir quando uma banda se estreia com uma obra prima). O tema de abertura "Next Exit" é um dos meus favoritos da banda e já dava só por si 5 valores a este CD. Vai crescer com mais audições... 7/10

    sexta-feira, janeiro 06, 2006

    Audivi | Dezembro

    Goldfrapp (2005) Supernature
    As músicas não são más, mas falta personalidade a este disco. A anos luz de "Felt Mountain". 6/10
    Jay Jay Johanson (2005) Rush
    Parece um regresso aos anos 80, com sintetizadores à mistura e tudo mais. Tem uma ou duas músicas que eu considero muito boas mas o resto do disco é superficial. 6/10
    The Flaming Lips (2002) Yoshimi Battles The Pink Robots 9/10
    Pulp (2002) We Love Life 9/10
    The Futureheads (2004) The Futureheads 9/10
    White Stripes (2001) White Blood Cells
    Estava à espera de mais... depois de ter ouvido tanto acerca deste disco e desta banda. Existe imaginação no modo como os White Stripes desenvolvem os seus temas, mas também há muito barulho à mistura. Acho que há atitude a mais e música a menos. Um 6/10.
    The Go! Team (2005) Thunder, Lightning, Strike 9/10
    The New Pornographers (2000) Mass Romantic
    Bom disco. Um pouco "americano" demais para o meu gosto. Uma mistura entre Berlinda Carlisle, Beach Boys, Roxy Music, The Cars e Cheap Trick. 7/10

    Audiendum

    Para tornar isto mais interactivo (comigo mesmo, pois devo ser a única pessoa que lê este blog...) resolvi ir partilhando o que estou a ouvir neste momento, o que me parece bem e vai parar ao folder "to keep" e o que me parece mal e vai parar ao "Recycle Bin". A forma como eu vou ouvindo (audiendum) para depois ver se vale uma entrada no blog é simples. No início de cada mês escolho uma série de albuns que ainda não ouvi. Após a primeira audição vejo se vale a pena continuar ou não. Basicamente, excluo logo estilos que não gosto como os Hard Rocks, Grunges, Metais, Punks, Techno e afins. Se a coisa não me toca na primeira audição (nem que seja uma faixa) também é logo motivo para justa causa. Passada esta fase, os albuns andam comigo no carro, no PC do trabalho, no Zen Micro durante um mês e são feitas muitas audições a cada um. Depois disso, se o album for fabulástico (pelo menos um 8/9 em 10) vai parar ao Blog. Se não for, das duas uma: é bomzito e é guardado ou é pior do que um 6 em 10 e vai parar ao lixo. Posto isto, segue a lista do que ouvi este mês... As entradas a laranja serão alvo de crítica detalhada num futuro que se espera próximo.

    quinta-feira, janeiro 05, 2006

    Oceans Apart

    The Go-Betweens, Oceans Apart
    The Go-Betweens
    Oceans Apart
    Lo-Max, 2005

    No mundo da música Pop, separação não é tema difícil. Basta percorrer a história das bandas que se criaram à volta de um vocalista com ego grande demais… O maravilhoso acto de fazer as pazes também não é coisa que escasseie neste universo. Verdadeiramente difícil é encontrar uma banda que tenha crescido ao longo do caminho desenhado pela sua existência.
    Os Go-Betweens juntaram-se na longínqua Austrália em 1978, separam-se na capital britânica em 1989 e resolveram dar um ar de sua graça em 2000 com o lançamento do álbum “The Friends of Rachel Worth” (aos quais se juntaram as três meninas dos Sleater-Kinney). E para provar que esta reunião não foi capricho passageiro, aí estão “Bright Yellow Bright Orange” de 2003 e “Oceans Apart” de 2005.
    O centro criativo da banda continua a ser o mesmo que apaixonou tantos nos anos 80. O incurável romântico Grant McLennan e o enérgico profundo Robert Forster não perderam a capacidade para produzir letras de uma poesia deslumbrante e canções pop de uma simplicidade contagiante. O que cheira a novo é o facto de se notar que os dois estão mais velhos, mais capazes de produzirem boas músicas sem recurso a tanto fogo de artifício (neste álbum não há violinos, não há sombras orquestrais a puxar a lágrima). O resultado disso é um disco com um som mais limpo, mais directo, mais próximo.
    Os dois temas de abertura, “Here Comes a City” e “Finding You”, ambos sobre Viagem, mostram bem a diferença na escrita dos dois autores. No primeiro, o comboio é empurrado pelo constante riff da guitarra, ao mesmo tempo que se distingue o flash da câmara fotográfica nas várias imagens que Forster captura – “Passing churches, passing stations, a bustling complex; I see a sequence 22 rivers out my window”. No segundo, McLennan calça os sapatos do narrador e vislumbra a sua própria imagem (em slow motion) espelhada no vidro de um carro – “Would you smile and wave Or would you bow and get in?”. Numa melodia simples, o banjo vai descobrindo memórias e fazendo perguntas a um amor que já se perdeu. Se a primeira canção tem tiques de Talking Heads, a segunda traz à memória os primeiros tempos dos R.E.M.. E esta dualidade estende-se pelo resto do disco, desde o triunfal “Born To a Family” à elegia que é “Mountains Near Dellray”.
    Os apaixonados pela escrita poética de McLennan encontram neste disco algumas das suas canções mais belas, como é o caso de “No Reason to Cry”. Os acordes de abertura dão o mote e parecem esboçar a banda sonora para um sonho imaginário. O acústico da guitarra apoia-se com delicadeza na paisagem sonora criada por Mark Wallis (produtor dos discos fundamentais da banda nos anos 80) que mistura magistralmente voz e teclados, dando à letra uma força e profundidade ainda maior – “You bit my tongue on a Lisbon Road”. Outro hino à escrita de McLennan é “Statue”, mas essa fica para vocês descobrirem…
    Das canções escritas por Forster a minha favorita é “Mountains Near Delray”. Com uma batida frouxa, uma sequência de acordes que parece desalinhada, uma letra desfilando amigos que ficaram para trás. Tudo isto resulta, no entanto, numa experiência que tem tanto de hipnose como de espanto. “I’m going to change my appearance everyday, I’m going to write a movie and then I’m going to star in a play”, canta Forster por entre desejos ardentes de uma adolescência revivida. Seis minutos de puro contentamento.
    Há poucos discos onde se gosta de todos os temas e este é um deles. Parece que McLennan e Forster são daquele tipo de escritores talentosos que não conseguem fazer um álbum mau, mesmo que se esforcem muito para tal. Pode ser dos meus ouvidos, mas quanto mais oiço estas canções (já vai nas trezentas e 5 audições), mais me convenço que este é um disco perfeito.
    Se estavam à espera de um disco que conseguisse superar os clássicos “Tallulah” (1987) e “16 Lovers Lane” (1988) desde o badalado regresso de 2000, este “Oceans Apart” pode muito bem ser o escolhido. O carácter sensual desses primeiros trabalhos, a dualidade intrínseca da sublime escrita de Forster e McLennan e a sua habilidade para transformar lugares comuns em cantinhos de eterna beleza faz deste disco um dos melhores que ouvi em 2005. Fica o aviso!