We Love Life
Pulp
We Love Life
Island, 2001
Por esta altura, já todos estão fartos de conhecer a minha devoção incondicional à Britpop. O que vocês não sabem (nem devem querer saber…) é quando tudo isto começou… Nos meados dos anos 90, por altura da minha primeira visita a Londres, enquanto toda a gente se embriagava com trip-hop, techno e electrónica, o meu leitor de CD começou a absorver a música de três bandas fundamentais: Oasis, Blur e Pulp. Todas elas comandadas por personagens tipicamente britânicas: suficientemente arrogantes, perdidamente rebeldes, estilo desleixadamente alternativo, postura e atitude em excesso. Enfim, uma jóia de moços, numa versão actualizada dos quatro de Liverpool.
Ainda hoje oiço a música destes meninos, uns meio desaparecidos, outros com projectos paralelos de maior ou menor valor. Ainda assim, álbuns como “(What’s the Story) Morning Glory?” (1995), “Parklife” (1994) e “Different Class” (1995) fazem parte dos discos fundamentais da minha colecção.
Para o menu do dia escolhi “We Love Life” lançado pelos Pulp em Outubro de 2001.
Criada em 1978, tinha Jarvis Cocker apenas 15 anos, esta banda de Sheffield nunca parou de evoluir em termos musicais. Com um número indeterminado de formações ao longo destes 28 anos de existência, teria sido fácil recorrer a lugares comuns e a alguma repetição, mas a criatividade mordaz de Cocker nunca parou de nos surpreender e de apresentar uma nova direcção em cada trabalho que produz. Esta evolução assenta, no entanto, numa sonoridade muito característica e num carácter fortemente marcado por uma fusão de estilos que passa, a título de exemplo, pelo New Wave, Europop, Indie e Glam Rock. A juntar a isto, a obsessão lírica de Jarvis, a sua voz subtil, sensual e uma poesia madura e intelectual. Uma combinação mágica entre Roxy Music, David Bowie e Scott Walker (produtor deste trabalho).
Mas vamos à música… O tema de abertura “Weeds” impõe um ritmo de marcha bem marcado nos metais da bateria de Nick Bank. O acústico das guitarras fornece o papel por onde correm as palavras de Cocker. Histórias de desigualdades sociais, de classes altas e dos excedentes da sociedade… “Because we got no homes they call us smelly refugees”. No segundo volume do tema – “Weeds II (Origin of the Species)” – Cocker apresenta-nos uma das suas imagens de marca: o monólogo falado. Por cima da linha do baixo fantasiada por EQ, o actor desfila um comboio de metáforas sobre o homem comum: “Bring your camera, take a photo of life on the margins/Offer money in exchange for sex and then get a taxi home”.
Depois de levar uma injecção leve de adrenalina em “The Night that Minnie Timperley Died”, onde um tema de pop radioso nos conta a história negra de um assassino, chega um dos temas em que a marca de Scott Walker mais se faz sentir. Em “The Trees”, há lânguidos arranjos orquestrais, sincopados por vezes, há guitarras acústicas e uma letra simples cantada de forma imaculada “Yeah, the trees, those useless trees/Produce the air that I am breathing”. Mas nada que nos permita vislumbrar o que se segue…
A peça central do álbum, “Wickerman”, é uma das melhores canções que já ouvi na minha vida. Há muito de cinemático, muita da poesia sonora mais profunda na essência deste tema. O contador de histórias genial que é Cocker apresenta-nos uma visão magnífica do que é fugir para longe nas águas dos rios que correm por debaixo das nossas cidades. A paleta sonora que lhe serve de base é sublime, de uma eloquência raramente ouvida na música popular. Uma profundidade coral, acústica e orquestral de proporções tão grandes que chega a ser confrangedora o efeito de simplicidade que produz. Quando aos 8 minutos a voz mágica de Jarvis se escoa ao som de uma trovoada longínqua dá vontade de repetir o tema vezes sem conta. Mas há que continuar.
Saltamos directamente para o encanto da primeira vez em “The Birds in Your Garden”, uma canção directa, de refrão cantante, riffs de guitarra e muitos passarinhos a cantar. Como convêm ;) O tema seguinte “Bod Lind” continua na mesma tomada simples, directa, divertida. Muito a lembrar os The Smiths.
A faixa número 9 é uma das minhas canções favoritas do álbum e da banda. “Bad Cover Version” relata a repetida crónica dos amores que se perdem em favor de alguém. Musicalmente, o uso de sintetizadores e coros angelicais empresta-lhe um toque festivaleiro, o que enfatiza a comicidade e o dramatismo do tema. Fabuloso!
A fechar o álbum está o épico “Sunrise”, dois minutos e meio de um murmuro triste e gentil que evolui para uma descarga eléctrica de guitarras ondulantes entre coros de anjos, mistura explosiva de Godspeed, Spiritualized, Radiohead e The Edge… Engenhoso, o sucessivo falso final.
E podem finalmente respirar… Eu próprio o faço, pois escrevo sempre estas palavras ao mesmo tempo que oiço os discos. Agora, banhado pelo silêncio, resta-me dizer-vos em jeito de conclusão que este é um daqueles discos que recompensa cada nova audição. Há sempre uma nova camada, um outro novo nível que acompanha cada nova leitura. É um disco que nos faz sentir vivos e muito contentes por isso. Se gostam de música britânica e estão fartos da superficialidade da música do novo continente, ide correr ouvir este disco. Garanto-vos que é um dos cinco melhores discos que a pop inglesa forjou no novo século. Altamente recomendado.