Takk
Sigur Rós
Takk
EMI, 2005
Tentar explicar por palavras o que se sente ao ouvir o novo álbum de Sigur Rós parece tarefa complicada. Talvez fosse melhor juntar aqui uma série de fotografias – panorâmicas de preferência –, mas isso obrigava-me a uma deslocação relâmpago a Ísafjörður ou a Snæfellsjökull. Infelizmente, não temos tempo…
Dizem que o meio ambiente influencia artistas e a sua arte e eu nunca encontrei banda a que esse conceito se aplicasse de forma mais perfeita. Não é difícil imaginar as paisagens dramáticas pintadas a branco gélido ou o ressonar contido de vulcões adormecidos na música espacial deste quarteto islandês. Quem ouviu “Agaetis Byrjun” (1999) sabe do que estou a falar; quem só escutou o álbum sem título lançado há três anos pode ficar com dúvidas.
Desta vez os Sigur Rós deixaram os becos moribundos e sem saída que encontrámos aqui e ali ao caminhar pela cidade de prédios escuros que é “( )” (2002) e voltaram à luminosidade das paisagens de sonho em “Takk” (que quer dizer obrigado em islandês e em quase todas as línguas nórdicas). Voltaram as canções de embalar para adultos, com recurso a instrumentos de crianças; regressaram as orquestrações de sonoridade extravagante e as estruturas vocais que só Jónsi consegue inventar.
Oiça-se então a terceira faixa do álbum “Hoppípolla”. Pela primeira vez, os Sigur Rós criam uma canção que quase podemos cantar (não fosse o islandês…). Uma autêntica celebração à felicidade, marcada pelo ritmo da bateria de Orri que cria a rede onde se deixa cair o piano e a voz de Jónsi. Junta-se a contribuição do maestro Kjartan (conhecido dos amantes da música clássica), uma fabulosa orquestração onde se misturam as cordas, os metais, o coro, a atirar a música para um final sereno, a lembrar a beleza tranquila de “Olsen Olsen”.
Continuando a viagem por estas paisagens de ilusão, detenho-me um pouco em “Sé Lest”. Imagino-me a tocar este tema para o pequeno João (à revelia da mãe que não suporta a voz e a música “depressiva” de Jónsi e seus pares). Aqui há espaço para momentos de acalmia e reflexão sobre a beleza suprema. Ouvem-se um xilofone e um piano de brincar que são tocados apenas para serenar um bebé inquieto, num fio contínuo como se de uma caixinha de música se tratasse. Tudo isto termina com o irromper breve de uma banda de soldadinhos de chumbo que vêm assegurar-se que o miúdo está a dormir…
Sem paragens obrigatórias passamos para a estação seguinte – “Sæglópur”. Um começo simples, em tom de casa assombrada: piano, xilofone e voz. E sem aviso, a porta é arrombada, a mesa revirada, a casa incendiada. No espaço cheio de fumo apenas se reconhecem os quadros pregados na parede: reflexos de Godspeed! You Black Emperor, Mogwai e amigos…
E por aí fora que esta excursão parece não ter fim. Por onde quer que ande, para onde quer que olhe, parece sempre haver sempre um tema recorrente ao piano, como uma cascata que não para de fluir; a euforia exaltante de uma descarga nas guitarras, como um vulcão que está já farto de dormir. Às vezes, sente-se que a paisagem não é real, que é uma fotografia manipulada, intoxicante. Mas o que é certo é que cada nova audição traz consigo um novo estado de espírito, um outro pensamento.
Tal como numa viagem, não importa muito o destino para onde vamos. Fundamental neste disco é o caminho que percorremos até lá chegar. Takk.