quinta-feira, setembro 22, 2005

Takk

Sigur Rós, Takk
Sigur Rós
Takk
EMI, 2005

Tentar explicar por palavras o que se sente ao ouvir o novo álbum de Sigur Rós parece tarefa complicada. Talvez fosse melhor juntar aqui uma série de fotografias – panorâmicas de preferência –, mas isso obrigava-me a uma deslocação relâmpago a Ísafjörður ou a Snæfellsjökull. Infelizmente, não temos tempo…
Dizem que o meio ambiente influencia artistas e a sua arte e eu nunca encontrei banda a que esse conceito se aplicasse de forma mais perfeita. Não é difícil imaginar as paisagens dramáticas pintadas a branco gélido ou o ressonar contido de vulcões adormecidos na música espacial deste quarteto islandês. Quem ouviu “Agaetis Byrjun” (1999) sabe do que estou a falar; quem só escutou o álbum sem título lançado há três anos pode ficar com dúvidas.
Desta vez os Sigur Rós deixaram os becos moribundos e sem saída que encontrámos aqui e ali ao caminhar pela cidade de prédios escuros que é “( )” (2002) e voltaram à luminosidade das paisagens de sonho em “Takk” (que quer dizer obrigado em islandês e em quase todas as línguas nórdicas). Voltaram as canções de embalar para adultos, com recurso a instrumentos de crianças; regressaram as orquestrações de sonoridade extravagante e as estruturas vocais que só Jónsi consegue inventar.
Oiça-se então a terceira faixa do álbum “Hoppípolla”. Pela primeira vez, os Sigur Rós criam uma canção que quase podemos cantar (não fosse o islandês…). Uma autêntica celebração à felicidade, marcada pelo ritmo da bateria de Orri que cria a rede onde se deixa cair o piano e a voz de Jónsi. Junta-se a contribuição do maestro Kjartan (conhecido dos amantes da música clássica), uma fabulosa orquestração onde se misturam as cordas, os metais, o coro, a atirar a música para um final sereno, a lembrar a beleza tranquila de “Olsen Olsen”.
Continuando a viagem por estas paisagens de ilusão, detenho-me um pouco em “Sé Lest”. Imagino-me a tocar este tema para o pequeno João (à revelia da mãe que não suporta a voz e a música “depressiva” de Jónsi e seus pares). Aqui há espaço para momentos de acalmia e reflexão sobre a beleza suprema. Ouvem-se um xilofone e um piano de brincar que são tocados apenas para serenar um bebé inquieto, num fio contínuo como se de uma caixinha de música se tratasse. Tudo isto termina com o irromper breve de uma banda de soldadinhos de chumbo que vêm assegurar-se que o miúdo está a dormir…
Sem paragens obrigatórias passamos para a estação seguinte – “Sæglópur”. Um começo simples, em tom de casa assombrada: piano, xilofone e voz. E sem aviso, a porta é arrombada, a mesa revirada, a casa incendiada. No espaço cheio de fumo apenas se reconhecem os quadros pregados na parede: reflexos de Godspeed! You Black Emperor, Mogwai e amigos…
E por aí fora que esta excursão parece não ter fim. Por onde quer que ande, para onde quer que olhe, parece sempre haver sempre um tema recorrente ao piano, como uma cascata que não para de fluir; a euforia exaltante de uma descarga nas guitarras, como um vulcão que está já farto de dormir. Às vezes, sente-se que a paisagem não é real, que é uma fotografia manipulada, intoxicante. Mas o que é certo é que cada nova audição traz consigo um novo estado de espírito, um outro pensamento.
Tal como numa viagem, não importa muito o destino para onde vamos. Fundamental neste disco é o caminho que percorremos até lá chegar. Takk.

quinta-feira, setembro 08, 2005

The Last Broadcast

Doves, The Last Broadcast
Doves
The Last Broadcast
Capitol, 2002

Muito bem, está na hora de pararmos de ouvir “OK Computer” e esquecer as tentativas menos conseguidas de bandas como os Elbow, Starsailor ou Travis. O trio de rapazes que vos apresento cresciam em Manchester no auge da club scene dos anos 80 e isso nota-se na sua música. Formaram uma banda de música electrónica no início dos anos 90 – os Sub Sub – mas a providência divina fez arder o seu estúdio em 1995 quando os manos Jez e Andy Williams celebravam o seu aniversário. Deixaram os ritmos techno, substituíram os computadores por instrumentos rock & roll e tornaram-se nos Doves.
No álbum de estreia “Lost Souls” (2000), aclamado pela crítica, notava-se que havia algo mais do que o som característico das bandas que brotaram da seara Radiohead. Ao ambiente sombrio e brumoso que pairava sobre a brit-pop do início do século, juntavam-se também ecos de uma paixão e exultação nem sempre moderada. É que os Doves até podem ser deprimidos, mas nunca são depressivos.
Em “The Last Broadcast” nota-se que o som dos Dove cresceu na direcção correcta: o disco continua cheio de detalhes sonoros bem pensados, aqui sempre ao serviço da melodia. Exemplo disto é a terceira faixa do disco “There Goes the Fear”. Começa com uma linha calma no baixo, sininhos, música de embalar, uns suaves toques na guitarra. Goodwin canta “Out of here, Out of heartache, Along with fear”. Quando menos se espera, sem o necessário aviso, a calma é interrompida por uma magnifica passagem de guitarra de reflexos frenéticos, tocada como um banjo (ao estilo inconfundível de The Edge) e onde os vários elementos da banda lutam para ser o primeiro: um baixo cheio na forma, acompanhado por um frenesim contido na bateria, o tal brilhante som na guitarra e a voz sempre no comando de Goodwin. Após uma nova dose da acalmia que inicia o disco, voltam a presentearmos com o seu truque, desta vez ampliando a composição com uma mistura fina de guitarra, bateria e sintetizador, levando a canção a transformar-se num canto tribal de proporções estrelares. Sete minutos de puro deleite, com algum merengue à mistura, a lembrar o melhor dos U2.
No disco, ainda há tempo para recordar “Moonchild” – dos gigantes do Prog/Art-Rock Kim Crimson – em “M62 Song” com o seu ambiente tenebroso e a voz lo-fi; reviver o universo dos Jesus & Mary Chain no feedback voluptuoso de “N.Y.”; ou o misticismo dos coros gospel dos Spiritualize em “Sattelites”.
Mas não se deixem enganar pelo amparo de tanta referência. Os Doves têm um som muito próprio e exploram uma paleta alargada de emoções. Conseguem tanto ser fantasmagóricos, como radiosos, acinésicos ou mesmo rocky, o que transforma “The Last Broadcast” numa fabulosa colecção de euforia, desolação e exasperada energia.
Um álbum grande, inteligente, livre de ironia que precisa de uma mente aberta para o escutar. As recompensas são enviadas em correio-azul directamente ao coração.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Funeral

The Arcade Fire, Funeral
The Arcade Fire
Funeral
Rough Trade, 2004

O primeiro dos Canadianos Arcade Fire tem um pouco de tudo, característica comum aos grandes discos. Melodias à chamber-pop, som primitivo art-rock, orquestrações de uma sensibilidade comovente, uma voz decididamente post-punk e um tema bem marcado: a insondável fragilidade de sermos apenas mortais. À cabeça deste quinteto encontra-se Win Butler e Régine Chassagne, marido e mulher. A cumplicidade de ambos nota-se pelo disco fora, seja nas dedicatórias aos entes queridos que partiram, seja nos duetos transpirados que partilham em músicas também cantadas em francês.
A paleta de contrastes presente neste trabalho dos Arcade Fire lembra bandas tão diferentes como os Pixies, New Order, Talking Heads ou Roxy Music. Buttler tem uma voz que pode não agradar a todos, mas que a meu ver se encaixa na perfeição no carácter deste disco. Quando se deixa levar pela música, canta de uma forma tanto primitiva quanto melódica, com uma atitude que atira a banda para fora do barco chamber-pop e a aproxima da influência punk das águas indie. Régine também canta a solo e na última faixa do álbum, “In the Backseat”, chega mesmo a fazer lembrar a fragilidade de Björk.
A viagem pelos temas chave do álbum tem de começar por “Crown of Love”, autêntica peça teatral, contida e caótica. Uma melodia orquestral lamechas, acompanhada de ritmos constantes ao piano, suaves riffs de guitarra enquanto Win canta apaixonadamente a canção do arrependido “If you still want me/Please forgive me/The crown of love has fallen from me”. Penso que esta canção resume todo o espírito do álbum. Um puro elogio aos sentidos. No fim do tema, em vez do habitual escoar da melodia, somos presenteados com uma batida disco (aspecto recorrente que muito me agrada) acompanhada do ritmo sincopado nas cordas à Michael Nyman, transportando a música bem para lá do hiperespaço, fazendo-nos abanar a cabeça em sinal de encanto: lindo! Continuando a viagem, o tema que se segue é “Wake Up”, autentico hino para concertos ao vivo. Coros para o público cantar nos primeiros dois terços do tema; batida sincopada para juntar as palmas no último terço. Isto e um transbordar de energia e exultação proveniente de um tema essencialmente espiritual, onde Régine canta a esperança que depositamos nos nossos filhos: “You better look out below!”. Para terminar, gostava de referir ainda o tema “Rebellion (Lies)” com o seu bombástico baixo e ritmos disco a juntar a uma das melhores orquestrações do disco.
Dez temas de proporções dramáticas que não me vou cansar de ouvir. Verdadeira caixinha de emoções.